sábado, 4 de fevereiro de 2017

Ervilhas


Eu não sei se os seus cabelos continuam embaraçados atrás da orelha. Não sei se você finalmente conseguiu tirar a sua carteira de motorista, muito menos se aquele cachorrinho da sua mãe parou de mastigar os seus chinelos. Demorei dois anos para entender que não faço mais parte da sua vida. Foi um processo doloroso, confesso. No início evitei qualquer receita que levasse ervilhas. Ervilhas. Deus, como as odiei! Eu detestava lembrar como você ficava irritantemente lindo retirando-as dos pratos. Eu odiava, sobretudo, a sua essência cristalina e intocável. Você não podia ter me decepcionado um pouco? Imergi, então, no que eu tinha. Deixei doer. Sangrei. Passei pelas fases do luto como uma aluna aplicada e sinceramente não creio estar próximo ao fim desse processo de desamor. Eu não quero que deixes de existir em mim, no entanto, habitas outro comodo em minh'alma. Seguimos existindo longe, sem ultrapassar essa linha que a vida desenhou. Você aí e eu daqui. Isso não quer dizer que em todos os dias não o vejo sorrindo em todos os pontos da cidade, eu só talvez tenha entendido que ervilhas não são tão amargas assim.

2 comentários:

  1. Que bonito, Clarinha. E que bom que superou todas as dificuldades, porque dói mesmo deixar ir. Mas deixar ir pra ficar ali dentro de alguma forma, quieto, mas presente. Essa aceitação é essencial pro coração ficar em paz.

    Beijo, Tami

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