Discreto, entrava na sala nas segundas e quartas. Não se parece com ninguém que
conheci. Voz mansa, olhar manso. Nunca o vi gritar. Posicionava-se frente aquelas mentes em turbilhão de sentimentos,
e eu quase conseguia ouvir aqueles olhares. Era ele, e eles. Guerra! Mas o
silêncio dele sempre fazia mais audível. As vezes, quando ele explicava sobre
mitologia, odisséias e machados, ele deixava escapar no canto dos olhos
um brilho de encantamento. Mestre na arte
da imparcialidade, João em seu jeito de não dizer, disse muito sobre
mim. Lembro-me da manhã de uma quarta, quando ele disse no final da aula, algo
que me fez livre, " - Turma, não existe português errado." João acordou-me um mundo de possibilidades. Se antes, eu andava pisando em ovos, ou
melhor, em concordâncias, advérbios e afins, hoje isso não pesa. João
mostrou-me a delícia de ser fiel ao que se escreve ao que se fala, ao que se
vê. Não satisfeito em traduzir-me, ele me contou porque às vezes eu fico tanto
tempo sem ter motivos, inspiração ou vontade de escrever. Além de contar,
tirou-me a culpa e o gosto amargo de ser poeta-não ser poeta. Tudo não passava da
completude. É isso. Se não sou, escrevo. Se sou por completo, não tenho vontade
de escrever, assim, vazio sim, cheio não. No final da aula, levantava-se, colocava a mochila nas costas e ia
embora. João nunca gritou. Essa foi a última quarta, que tive aula com o João. E no decorrer da minha vida, sei que não me esquecerei dele. Guardo um “muito
criativo” escrito a lápis em uma prova sobre concepção científica, Menelau, plácido e o som do
professor que não gritava.
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